AS TUAS DORES
As tuas dores
mais as minhas dores
vão estrangular a opressão
Os teus olhos
mais os meus olhos
vão falando da revolta
A tua cicatriz
mais a minha cicatriz
vão lembrando o chicote
As minha mãos
mais as tuas mãos
vão pegando em armas
A minha força
mais a tua força
vão vencer o imperialismo
O meu sangue
mais o teu sangue
vão regar a Vitória.
SE ME PERGUNTARES
Se me perguntares
Quem sou eu
Cavada de bexiga de maldade
Com um sorriso sinistro
Nada te direi
Nada te direi
Mostrarte-ei as cicatrizes de séculos
Que sulcam as minhas costas negras
Olhar-te-ei com olhos de ódio
Vermelhos de sangue vertido durante séculos
Mostrar-te-ei minha palhota de capim
A cair sem reparação
Levar-te-ei às plantações
Onde sol a sol
Me encontro dobrado sobre o solo
Enquanto trabalho árduo
Mastiga meu tempo
Levar-te-ei aos campos cheios de gente
Onde gente respira miséria em toda a hora
Nada te direi
Mostrar-te-ei somente isto
E depois
Mostrar-te-ei os corpos do meu Povo
Tombados por metralhadoras traiçoeiras,
Palhotas queimadas por gente tua
Nada te direi
E saberá porque luto.
Moçambique, 1977
O ECO DO PRANTO
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança
Não...
A voz da criança
É suave e mansa
É uma voz que dança...
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança
Parece mais
Um grito sem esperança
Um eco
Partindo de fundo de um beco
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança,
Essa é doce e mansa
É uma voz que dança...
Esta parece mais
Um grito sufocado sob um manto
- O Eco do Pranto.
AMAR
Amar
É o mesmo que escrever
Docemente,
Amargo,
Mas incompleto.
É o mesmo que escrever
Docemente,
Amargo,
Mas incompleto.
FLOR NOCTURNA
Flor nocturna
Que com a lua
Desabrochas em meus braços
Flor soturna
Que pelas sombras da rua
Guias teus passos,
Flor amiga
Com pétalas de estrelas
E résteas de luar
Deambula noctívaga
Pelas vielas
E vem-me abraçar.
ÁTOMO
Vi uma criança
Dobrar-se inocente
Sob o peso da bomba.
Vi o átomo
Desagregar-se em morte
E cobrir em cogumelo
A Humanidade,
E lágrimas de sangue
Ergueram-se
Em ogiva
Sobre o deserto,
E lá longe,
Uma pomba branca
Vi uma criança
Dobrar-se inocente
Sob o peso da bomba.
Vi o átomo
Desagregar-se em morte
E cobrir em cogumelo
A Humanidade,
E lágrimas de sangue
Ergueram-se
Em ogiva
Sobre o deserto,
E lá longe,
Uma pomba branca
Que sobreviveu
Sem arca e sem Noé
Chorou a loucura do Homem.
Sem arca e sem Noé
Chorou a loucura do Homem.
Extraído de
PORTUGUESIA CONTRAANTOLOGIA- Minas entre os povos da mesma língua
org. Wilmar Silva. Belo Horizonte: Anome Livros, 2009. 507 p. (c/CD)
ISBN 978-85-98378-343-5 www.anomelivros.com.br –anomelivros@anomelivros.com.br
PORTUGUESIA CONTRAANTOLOGIA- Minas entre os povos da mesma língua
org. Wilmar Silva. Belo Horizonte: Anome Livros, 2009. 507 p. (c/CD)
ISBN 978-85-98378-343-5 www.anomelivros.com.br –anomelivros@anomelivros.com.br
DO QUE CHORA A CRIANÇA
(versão portuguesa)
Do que chora a criança?
É dor no seu corpo
Do que chora a criança?
É sangue que cansou de ver
Um pássaro grande chegou
Com ovos de fogo
0 pássaro grande veio
Com os ovos da morte
Caçadores desconhecidos
Enganados metralharam a tabanca
Caçadores, pretos como nós
Enganados metralharam a bolanha
Queimou-se o mato
Queimaram-se as casas
Perdurou a dor na nossa alma
ANTES DE PARTIR
Antes de partir
Encherei os meus olhos, a minha memória
Do verde (verde, verde!) do meu País
Para que quando tomado pela saudade
Verde seja a esperança
Do regresso breve
Antes de partir
Encherei os meus ouvidos, a minha memória
Do palpitar que esmorece, enquanto a noite
Cresce sobre a cidade e no campo
Feito o silêncio dos homens e dos rádis...
CANTA CAMARADA
Canta camarada
Deixa que o teu sonho verdade
Flua límpido nos anseios da tua voz quente
Pois este é o teu dever, o teu direito.
Canta camarada
Que a recordação da tua dor
Seja como a terra revolvida
Em cada época, para a sementeira.
Canta camarada
Apenas alguns nomes, para que seja exaltado o anónimo
Apenas os mortos, porque os vivos
Ainda podem desmerecer da nossa gratidão.
Canta camarada
Pois é a única benesse
Que te reservaste na oferta da tua juventude
Em Holocausto no altar da revolução.