31 de jul. de 2011

Uma Experiência Significativa Com a Literatura Africana


1 - O currículo e a cultura africana. A escola é um local em que a diversidade cultural deve ser assegurada para que todos tenham garantido o direito de aprender e ampliar conhecimentos, sem serem obrigados a negar a si mesmo, ao grupo étnico/racial a que pertençam e adotar costumes, idéias e comportamentos que lhes são adversos. Uma das finalidades do currículo é preparar os alunos para serem cidadãos críticos e participativos de uma sociedade democrática. No sentido de concretizar esse objetivo, urge que as instituições escolares se organizem de forma a contemplar as experiências das crianças, para que os alunos não vejam a cultura que comungam ser excluída ou descriminada, no ambiente escolar. Esse é o grande desafio da educação, fazer com que os alunos pratiquem e exercitem ações capazes de prepará-los para participar, ativamente, em sua comunidade.
Tomemos como ponto de partida Salvador, cidade multi-étnica e pluricultural, na qual as raízes africanas florescem cotidianamente, a comida e a música são presenças marcantes. Todavia, as literaturas afro-brasileira e africana são desconhecidas pela maioria da população, que muitas vezes, sob visão preconceituosa, associa as narrativas ao candomblé, por algumas apresentarem os orixás nos seus textos. Partindo do pressuposto que a literatura africana é vasta, torna-se primordial quebrar-se o paradigma de que somente o patrimônio europeu deve predominar e que as culturas das classes minoritárias, especialmente a indígena e a africana, só sejam contempladas no âmbito folclórico. Para tanto, deve-se buscar meios de conhecer a diversidade da população africana e, socializá-la no ambiente escolar, visando despertar nos educandos a autoestima em ser afro-descendentes. Uma das alternativas são os contos africanos, os quais revelam um mundo muitas vezes desconhecido, formado de reis, príncipes, orixás e de homens fortes que lutaram pela liberdade.
Segundo Santoméi, quando se analisam os conteúdos que são desenvolvidos no currículo comum das unidades escolares, observa-se que aquilo que é enfatizado faz parte da cultura das chamadas nações hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários, quando não costumam ser negadas ou discriminadas, são silenciadas.
A Lei Federal No 10.639/2003 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fixadas pela Lei No 9394/1996, ao tornar obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasieleira e Africana nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, é uma das políticas públicas adotadas pelo Governo Federal com objetivo de reparar e reconhecer as desigualdades raciais e sociais sofridas pelas pessoas negras. Mas será que com a vigência desta lei, as instituições de ensino já estão desenvolvendo projetos que contemplem a cultura africana? E se estão, como estes projetos estão sendo desenvolvidos?
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação instituiu em 2004, Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, objetivando instrumentar as instituições de ensino com princípios, orientações e fundamentos que norteiem à construção de projetos que versem sobre temáticas da Pluralidade Cultural.
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29 de jul. de 2011

TERRA SONÂMBULA, DE MIA COUTO

Em meio à devastação da guerra civil em Moçambique, o menino Muidinga e o velho Tuhair caminham por uma estrada abandonada, murchos e desesperançados. É preciso salvar a alma do menino Muidinga, sem família e sem memória. O corpo do menino foi salvo pelo velho Tuahir, quando todos no campo de refugiados já o tinham abandonado. Mas como pode Tuahir salvar a alma do menino, se a sua, se existe, está escondida sob camadas de desilusão? Também é preciso salvar a alma do velho Tuahir.


Os dois companheiros abrigam-se em um ônibus queimado, próximo ao qual encontram uma mala com roupa, comida e os cadernos de Kindzu. Terra Sonâmbula, de Mia Couto, narra o renascer poético de Muidinga e Tuahir provocado pela leitura dos cadernos de Kindzu. E o que há de mágico nesses cadernos? A narrativa fabulosa da história de Kinkzu, com outras histórias dentro, que despertam sonhos e fantasias. Os sonhos e fantasias transformam a vida de Muidinga e Tuahir, ainda que eles permaneçam naquela mesma estrada.

Mas não é apenas os dois companheiros que escutam as fantasias do caderno de Kindzu, também a terra morta pela guerra escuta aquelas histórias. E, quem sabe, a terra não esteja morta? Quem sabe esteja apenas dormindo? E já comece a se mover, sonhambulante, à força dos sonhos de Tuahir, de Muidinga, de Kindzu...:


"— O que andas a fazer com um caderno?
— Nem sei, pai. Escrevo conforme vou sonhando.
— E alguém vai ler isso?
— Talvez.
— É bom assim: ensinar alguém a sonhar.
— Mas pai, o que passa com essa nossa terra?
— Você não sabe, filho. Mas enquanto os homens dormem, a terra anda procurar.
— A procurar o quê, pai?
— É que a vida não gosta sofrer. A terra anda procurar dentro de cada pessoa, anda juntar os sonhos. Sim, faz conta ela é uma costureira dos sonhos."
DEGUSTAÇÃO NO SITE DA COMPANHIA DAS LETRAS!!! 

22 de jul. de 2011

Literatura Africana em Língua Portuguesa


A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses (cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagens, homens de ciências e das grandes literaturas europeias) iniciaram a rota de África, continuando depois pela Ásia, Oceânia e América.
Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira são alguns nomes cujo discurso é alimentado do "saber de experiência feito" alcançado a partir do século XV, em declínio já no século XVII) esgotado no século XVIII. A obra de Gil Vicente (século XVI) ou, embora escassamente, a de poetas do cancioneiros (séculos XIV e XV) ao lado das "coisas de folgar", foram marcadas pela expansão ao longo dos «bárbaros reinos». É uma literatura feita pelos portugueses, fruto da aventura no além-mar, no período renascentista, a que se denominou de literatura dos descobrimentos.
Esta literatura, nascida de uma experiência planetária, nada tem a ver com a literatura africana de língua portuguesa. Este registo serve apenas para contextualizar no passado factos relacionados com o quadro cultural, político que século depois havia de surgir.
Com efeito, a partir do século XV, inicia-se o processo de colonização em África, o que condiciona, séculos mais tarde, o aparecimento de nova literatura, a literatura colonial (1900-1939).
Em que difere a literatura colonial da literatura dos descobrimentos?
Enquanto a literatura dos descobrimentos se baseava no relato de viagens feito por navegadores, escritores, comerciantes, etc.., e narrava factos ocorridos ao longo dessas viagens, a literatura colonial retrata a vivência dos portugueses no além-mar. Nesta literatura, o centro do universo narrativo e poético é o homem europeu e não o homem africano. Era uma literatura profundamente racista, onde predominavam as ideias de inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado, e para as quais teria contribuído o filósofo Lévy Bruhl com a sua tese de mentalidade pré-lógica. Importa dizer ainda que, nesta literatura, a África era vista apenas como uma linda paisagem, ou um paraíso, e o protagonista dessa paisagem era o homem europeu. Trata-se, pois, de uma literatura caracterizada fundamentalmente pela exploração do homem pelo homem.
É preciso dizer que estes discursos racistas eram fruto da mentalidade da época, no ponto de vista político-social. Todavia, houve alguns escritores como João de Lemos (Almas Negras) e José Osório de Oliveira (“Roteiro de África”) que tentaram entender a mentalidade do homem negro, pois há nas suas obras uma intenção humanística.

São precisamente as duras e condenáveis características da literatura colonial, e os outros factores como a criação e desenvolvimento do ensino oficial e o alargamento do ensino particular, a liberdade de expressão, a instalação da imprensa (a partir da década de 40 do século XIX) que vão propulsionar o aparecimento de uma nova literatura a que se convencionou chamar de literatura africana de expressão portuguesa.
Com efeito, alguns anos mais tarde, após a instalação da imprensa em Angola, ocorre a publicação do livro Espontaneidade da minha alma” (1949) do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona, mas não a mais antiga obra do autor africano. Anterior a esta, há conhecimento do poemeto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusish, "Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844”, publicado em Lisboa no mesmo ano.
A literatura africana, como um conjunto de obras literárias que traduzem uma certa africanidade, toma esta designação porque a África é o motivo da sua mensagem ao mundo, porque os processos técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e europeizante. John chamou-a de literatura Neo-africana por ser escrita em línguas europeias e para diferenciá-la da literatura oral produzida em língua africana. Nesta literatura, o centro do universo deixa de ser o homem europeu e passa a ser o homem africano.
É necessário frisar que este tipo de literatura, chamada literatura africana de expressão portuguesa, ganha uma nova especialização, tomando a designação de literatura de raiz africana. Esta literatura teve a sua origem através do confronto, da rebelião literária, linguística e ideológica, da tomada de consciência revolucionária a partir da década de 40 (século XIX). Importa referir que era uma literatura dirigida particularmente aos africanos e escrita em línguas locais em mistura com o "português", pois o propósito era tornar a escrita inacessível aos europeus, isto é, não permitir ao homem branco descodificar as suas mensagens. Daí a introdução nas obras de poetas angolanos (Agostinho Neto, António Jacinto, Pinto de Andrade, Luandino Vieira, etc.) de palavras e frase idiomáticas em quimbundo e umbundo, e em muitos outros autores africanos como Mutimati Bernabé João (Moçambicano).
Esta fase vai de meados da década de 40 até às independências (meados da década de 70). A vida verdadeira de Domingo Chavier” de Luandino Vieira e Sagrada esperançade Agostinho Neto são textos impregnados de marcas visíveis da revolta política que mais se traduzem nos quatros cantos do mundo.
A literatura africana combate o exotismo sob todas as formas, quer se apresente recuperando narrativas tradicionais, quer utilize ritmos significantes emprestados das culturas populares.
Nilton Garrido - SEUC Sec - Turma SA